quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Felinho, o saxofonista das variações assombrosas em Vassourinhas

Felinho, o saxofonista das variações assombrosas em Vassourinhas

Músico morreu sem gravar sua composição preferida

Publicado em 19/02/2017, às 09h12
"Há a lamentar, na execução dessa marcha, hoje em dia, o andamento extremamente rápido e os floreios de saxofone da segunda parte, coisa improvisada por certo virtuose do sax, e logo aperfeiçoado por outros. É uma desfiguração lamentável, que responde pelo aceleramento incômodo do andamento". O comentário é do médico, crítico de arte (também compositor), Valdemar de Oliveira, no livro Frevo Capoeira e Passo.
 A música a que ele se refere é a Marcha nº1 do Vassourinhas (Matias da Rocha/Joana Batista), e o "certo virtuose" é o saxofonista é Felix Lins de Albuquerque, Felinho, criador das célebres variações de sax que se tornaram parte intrínseca do mais popular dos frevos de rua. Assim como quase todos os músicos que sedimentaram o frevo ­ e a música pernambucana em geral ­ a partir dos anos 20, Felinho vivia de aposentadoria e de glórias passadas. Geralmente era lembrado pelas variações, porém, quando morreu, em 11 de janeiro de 1980, completava 70 anos de carreira.
 Nascido em Bonito, no Agreste de Pernambuco (em 14 de dezembro 1894), aos 15 anos já era mestre de banda, na sua cidade natal. Exerce o ofício em várias cidades do interior, Catende, Ribeirão, Canhotinho e Barreiros foram algumas delas. Só em 1930 aterrissou na movimentada cena musical recifense, congregada em torno da Rádio Clube de Pernambuco, onde pontificava a figura imponente e respeitabilíssima do maestro Nelson Ferreira. Mas já como talento reconhecido, e adjetivado em todas matérias e notas de jornais da época, cobertos de "extraordinário", ou de "assombroso".
 Tanto é assim que já recebia homenagens, como a que lhe fez, em 1930, o músico Severino Damásio, que compôs o frevo de rua Felinho na Onda. "Há quem diga que o saxofone de Felinho vai servir para o toque de reunir da humanidade no dia do juízo final", comentário de um jornalista entusiasmado (que não assinou o texto), numa matéria no extinto Diário da Manhã, a propósito de uma apresentação do músico na segunda edição da festa da mocidade, em 1938.
 Mas a esta altura Felinho já era um dos instrumentistas mais conhecidos do Estado, à frente de grupos que marcaram época, um deles regional, do qual fazia parte o lendário violonista José do Carmo, e o Quarteto Ladário Teixeira, provavelmente o primeiro do gênero no país que poderia ser incluído na categoria de supergrupo. Era formado por ele, Felinho, no sax alto, Antonio Medeiros, 2º sax alto, Zumba (José Gonçalves), sax tenor, e Levino Ferreira, sax barítono. O quarteto (o nome Ladário Teixeira era homenagem a um saxofonista mineiro, cego, virtuoso, e nascido também em 1895) estreou em 4 de dezembro de 1936.
Curiosamente, embora tenha deixado sua marca no frevo, com as variações, ou com Formigão, um espécie trava­línguas, música com que se testa a habilidade do saxofonista, Felinho esmerou-­se na composição de valsas e chorinhos, fundando, também no começo dos anos 30, o grupo Choro dos Boêmios, no qual tocava outro saxofonista, Ozório Araújo. O maestro e saxofonista Edson Rodrigues, que o conheceu e conversou com Felinho algumas vezes, é de opinião que o fato de ter sido do chorinho contribuiu para que aprimorasse a arte do improviso: "Ele tocava tanto que até hoje ninguém faz as variações feito ele, que foi chorão e grande improvisador. Se Felinho tivesse nascido no Rio, teria fama de um Copinha ou até mesmo de um Pixinguinha". Edson guarda com cuidado, em casa, um livro americano de partituras, que pertenceu a Felinho e lhe foi presenteado por um genro do músico".
INFERNAIS
 "As infernais variações", como adjetivou um jornalista nos anos 40 sobre Vassourinhas, nasceram no começo dos anos 40, quando Felinho tocava na Orquestra do maestro Nelson Ferreira. Este contou, anos mais tarde, que os bailes carnavalescos do Clube Internacional, quando ainda se localizava na Rua da Aurora, eram feitos por uma jazz band e sua orquestra. Enquanto a segunda saía do palco para a entrada da primeira, Felinho fazia a ponte entre uma e outra com variações. Na primeira vez, os foliões vibraram. Ele continuou repetindo as variações, e o resto é história, ou lenda.
 Pode ter sido a primeira vez em que se ouviu Vassourinhas. Desde os anos 20, que se comentavam nos jornais o dom de improviso de Felinho, uma unanimidade no Recife: "Entre os executantes do Ladário Teixeira, avulta, no Brasil, a figura de Felinho. Possuidor de técnica abrilhante e sopro de seda, Felinho é um nome nacional e um grande músico. Sob a agilidade rara de seus dedos, as passagens mais difíceis desfilam com segurança e brilhantismo. Ninguém no país é maior autoridade no assunto do que ele", os elogios estavam no Jornal Pequeno, anunciando a estreia do quarteto Ladário Teixeira.
 No mesmo jornal, já em 1926, Felinho é citado por seus improvisos no sax, num ensaio do bloco Pirilampos de Tejipió: "Felinho fará as belas variações no seu divinal instrumento". Felinho foi o maior responsável pelo saxofone se tornar um instrumento de orquestra de frevo. Os cronistas carnavalescos da época, sobretudo Valdemar de Oliveira, consideravam o sax impróprio à execução de frevos, portanto, achavam que as jazz bands tinham saxofones demais e metais de menos. O maestro Spok derrama-­se em elogios a Felinho: "Um saxofonista que deixou registrado o embrião, a semente, de como deveríamos, como saxofonistas pernambucanos, executar o frevo, com categoria, com classe. É como se ele tivesse escrito a bíblia da execução classuda do frevo no sax. Na minha opinião, ele divide águas no que diz respeito à categoria, à limpeza, na exceção de um frevo no sax".
 Quando foi contratado, em 1951, com alarde, pela Rádio Tamandaré, os elogios vão exatamente para as antes criticadas variações que introduziu em Vassourinhas: "Hoje em dia, quando se fala em frevo e nos conjuntos orquestrais que o apresentam, no reinado de Momo, vem logo à baila, o nome de Felinho com o Vassourinhas, que já está espalhado pela cidade em gravações. É ele o legítimo executante do Hino do Carnaval pernambucano e os habitante deste burgo sabem muito bem disso", escreveu um jornalista na época.

 O "legítimo" porque, até então, as gravações de Vassourinhas, com as variações, tinham sido feitas no Rio, pelas orquestra de Severino Araújo e de Zaccarias. Felinho somente a registraria, com suas variações, em 1956, no LP de dez polegadas Frevos nº2 (Mocambo/Rozenblit) aberto exatamente com Vassourinhas (creditada no selo do disco apenas a Matias da Rocha). No final da vida, Felinho já não tocava sax, era flautista da Orquestra Sinfônica e faleceu sem realizar um sonho: gravar a que considerava sua melhor composição, a valsa Triste Consolo.

fonte: http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cultura/musica/noticia/2017/02/19/felinho-o-saxofonista-das-variacoes-assombrosas-em-vassourinhas-271361.php

31 jan 2018