Caminhos de um maestro abençoado
Festival e livro a ser publicado sobre Moacir Santos trazem luz à história e à obra do sertanejo que injetou modernidade na música brasileiraPublicado em 21/07/2013, às 06h00João Marcelo MeloEspecial para o JC
O maestro pernambucano Moacir Santos (Bonome, Serra Talhada – PE, 11/07/1926 – Pasadena, Califórnia, EUA, 6/8/2006) recorria a uma imagem sertaneja para explicar sua opção por viver nos Estados Unidos. Ele dizia: "Comparo o Brasil e os Estados Unidos à cobra de duas cabeças que existe no Sertão. Uma das cabeças, o Brasil, é guiada pelo coração; a outra, os Estados Unidos, pelo dinheiro. É o 'time is money', que faz que eu me sinta melhor profissionalmente aqui. O artista gosta de ter o seu trabalho reconhecido".
A história de vida desse pernambucano, nascido numa tapera na zona rural do distrito de Bonome, no Sertão do Pajeú, há muito merece ser contada. Órfão de mãe aos três anos, adotado por uma família que o maltratava, fugiu de casa aos 14. Após peregrinar por várias cidades nordestinas, partiu para o Rio de Janeiro, onde se fez maestro da Rádio Nacional, professor de ícones da bossa nova e compositor de trilhas para o cinema novo. Deixou o Brasil nos anos 1960, acompanhando o êxodo de músicos brasileiros que trocaram o País pelos Estados Unidos em busca de melhor colocação profissional. Lá, consagrou-se como um inovador do chamado latin jazz e viveu 40 dos seus 80 anos de vida, até a sua morte em 2006.
O registro dessa trajetória está prestes a ganhar uma preciosa contribuição com a publicação da pesquisa Moacir Santos – Caminhos de um músico brasileiro, fruto da tese de doutorado da musicista e pesquisadora Andrea Ernest Dias. Ela estará no Recife nos dias 2 e 3 de agosto, durante o Festival Moacir Santos, que reunirá músicos brasileiros e americanos, muitos ex-colaboradores do maestro pernambucano, para concertos e mesas-redondas no Teatro de Santa Isabel. O evento também traz à cidade Mário Adnet e Zé Nogueira, nomes por trás do disco Ouro negro, álbum duplo lançado em 2001, que aproximou a obra de Moacir das novas gerações de músicos e ouvintes da MPB. Adnet e Nogueira apresentam-se com a Banda Ouro Negro.
Para levantar os dados biográficos, Andrea refez a trajetória geográfica de Moacir. Foi ao Sertão do Pajeú, entrevistou professores, alunos e amigos do maestro. Em Pasadena, Califórnia, onde o maestro morou durante metade de sua vida, encontrou cadernos de anotações e partituras inéditas. Na sua busca, contou com o apoio de Moacir Santos Jr., filho único e titular do acervo herdado do pai. Andrea era considerada pelo próprio Moacir como uma afilhada, pela ligação dele com a mãe dela, a flautista Odete Ernest, com quem trabalhou na Rádio Nacional. Então existe uma ligação afetiva que ela, como boa afilhada, se esmerou em transformar em uma pesquisa de fôlego, tanto nos aspecto biográfico como de análise musical, afirma Mário Adnet.
Assista o vídeo: http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=I6GVHgfo_90
Em um País onde o autodidatismo em música prevalece sobre o estudo sistemático, Moacir é um exemplo a ser seguido e difundido. Ele buscou a formação de que necessitava por iniciativa própria, tornando-se aluno dos grandes mestres em atividade no Brasil da época, como Guerra-Peixe e o alemão vanguardista Koellreutter, entusiasta da música dodecafônica e primeiro professor de Tom Jobim. Desde a primeira vez que fugiu de casa e foi acolhido por um maestro de uma banda de música do interior, Moacir assumiu um padrão meio nômade de chegar nos lugares, aprender tudo que podia e depois se mudar. No Rio de Janeiro, recebia aulas de arranjo e composição os cinco dias da semana com cinco maestros diferentes, conta Adnet.
Programação do Festival Moacir Santos
Local: Teatro de Santa Isabel
Sexta-feira, 2 de agosto
Mesa Redonda (Salão Nobre)
10h Moacir Santos, o Duke Ellington brasileiro?
O impacto da música de Moacir Santos nos EUA; sua linguagem jazzística afrobrasileira.
Debatedores: Brent Fischer, Mario Adnet, Mark Levine, Maurício Carrilho, Steve Huffsteter e Teco Cardoso. Mediadora: Andrea Ernest Dias
Concertos
20h MARK LEVINE & THE LATIN TINGE (San Francisco)
21h BANDA OURO NEGRO (Direção Mário Adnet e Zé Nogueira)
Sábado, 3 de agosto
Mesa Redonda (Salão Nobre)
10h O Acervo Moacir Santos em perspectiva
O Projeto Ouro Negro e seus desdobramentos: Moacir Santos e as novas gerações.
Debatedores: Andrea Ernest Dias, Brent Fischer, Marco César, Mario Adnet, Moacir Santos Júnior, Zé Nogueira e Cacá Malaquias. Mediador: Paulo Braga
Concertos
20h QUARTETO COISAS (Maurício Carrilho, Marco César, Andrea Ernest Dias e Paulo Braga)
21h THE CLARE FISCHER BIG BAND (Los Angeles, EUA. Direção: Brent Fischer. Participação especial: Steve Huffsteter)